Joaquim Celso Freire Silva veio de Minas Gerais já adulto, jovem na faixa dos 20 anos. Em São Caetano do Sul, cursou administração no Instituto Municipal de Ensino Superior, atual USCS. Trabalhou em esciolas e em empresas, como professor e como administrador. Nos anos 2000 foi Pró-Reitor de Extensão da USCS. Amante das artes em geral, como a literatura, o teatro e a música. É escritor e tem diversos livros publicados. |
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Joaquim Celso Freire Silva Registro fotográfico do início do Mestrado no IMES em agosto de 1998. |
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 06 de julho de 2005.
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC
Entrevistadores: Priscila F. Perazzo e Danielle Barbosa.
Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato
Pergunta: Comece falando a data e o local de seu nascimento e um pouco sobre a sua família e sobre sua infância.
Resposta:
Nasci no dia 19 de maio de 1952, na zona rural do município de Coronel Murto, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Eu tive uma infância bem de moleque da zona rural, brincando muito, construindo meus próprios brinquedos, convivendo com a lida do campo, com os animais. Eu me lembro que quando tinha 7 anos ia buscar o gado no campo, colocava no curral e levantava de manhã para tirar o leite do gado. Meu pai nos ensinava a fazer o nosso próprio queijo que comeríamos na manhã seguinte, então eu tinha minha forminha para fazer o meu queijo, aquele meu queijo era para tomar o café da manhã no dia seguinte. Eu fazia muita traquinagem. Eu sempre trabalhei; com 6, 7 anos já trabalhava. Meu pai me reservava o direito de olhar o arroz. Quando você planta o arroz e quando ele está nascendo, o pássaro preto vem arrancar. Eu e meu outro irmão tínhamos de ficar ali espantando os pássaros pretos. Nós tínhamos outras brincadeiras para fazer e esquecíamos dos pássaros. A gente fazia bonequinhos de barro e o pássaro preto ficava comendo o arroz do meu pai. Quando ele chegava, a gente levava uma bronca. Eu me lembro que meu pai era um dos, ele não teve instrução farmacêutica, mas na época ele era o que dava injeções. Ele tinha as seringas e as agulhas e, o que sobrava, a gente pegava e ia treinar dar injeção nas bananeiras. Era comum a gente plantar, depois de uma chuva, arroz e feijão e cada um de nós levava um embornal cheio de mantimentos. Eram comuns os homens mais velhos irem na frente fazendo as covas com a enxada, porque naquele tempo o sistema de plantio era rudimentar, então o homem faz a cova e atrás vão as mulheres e as crianças colocando as sementes e fechando a cova. Eu e meu irmão articulávamos colocar dois ou três grãos de feijão numa cova, para esvaziar logo o embornal e irmos brincar. Quando aquilo nascia meu pai perguntava: Que bonitinho, quem plantou tanto assim? Fui eu. Era couro e couro. Foi uma infância muito gostosa. Comecei a estudar muito tarde em função dessa vida. Fui para a escola com 9 anos, mais velho, já morando na cidade e passei a ter outro tipo de relacionamento, com os colegas da cidade. Na cidade tinha um rio, e o dia-a-dia era ir à escola e ficar tomando banho no rio. Foi uma infância que tenho boas lembranças.
Pergunta: Essa propriedade rural era da sua família?
Resposta:
Da minha família. O pai do meu pai, quando ele faleceu, conseguiu deixar para cada um dos filhos uma porção de terra para eles viverem da agricultura básica.
Pergunta: Ele sustentava todos os filhos?
Resposta:
Todos nós. Eu sou o primeiro. E tem um detalhe. Quando meu pai se casou com minha mãe, num prazo curto faleceram o pai e a mãe da minha mãe, então meu pai trouxe para dentro de casa os irmãos dela. Meu pai já iniciou a vida com três, quatro ou cinco filhos, todos irmãos da minha mãe. Depois vieram os filhos: eu primeiro, nós somos nove ao todo, nove capetinhas, com oito homens e uma irmã.
Pergunta: Mais os tios irmãos?
Resposta:
Sim. Aliás eu tenho muito boas lembranças das minhas tias. Tenho um sinal na testa, que dá até para se observar o corte, que fiz quando tinha uns 6 anos. Eu estava correndo atrás da minha tia pela casa e achei uma quina pela frente.
Pergunta: Ela era mais velha?
Resposta:
Quando nasci minha tia devia ter uns 9, 10 anos.
Pergunta: As nove crianças iam para a roça ajudar?
Resposta:
Enquanto estávamos na roça, não éramos nove. Era eu e meu irmão mais velho. Os outros já nasceram numa situação mais da cidade.
Pergunta: A família se mudou toda? Foram todos morar na cidade?
Resposta:
Eu me lembro de uma noite em que estava me preparando para dormir e a nossa casa, era a sede, a parede não chegava até o telhado, então você tinha um contato com o que acontecia nos outros cômodos e me lembro do meu pai conversando com a minha mãe falando que precisava vender aquilo para os meninos estudarem. Eu me lembro disso nitidamente. Eu tinha por volta de 8 anos e ele vendeu o sítio e fomos para a cidade, quando fomos para a escola, eu e meu outro irmão.
Pergunta: E fez o quê?
Resposta:
Abriu um comércio. Tinha açougue e um armazém, e eu era o balconista. Eu ia ajudar no açougue e no balcão da pequena mercearia.
Pergunta: Nessas condições você estudou até que série?
Resposta:
Até o ginásio.
Pergunta: Completo?
Resposta:
Sim. Tinha a admissão, que era o quinto ano. Eu fiz os quatro anos primários, a admissão e os quatro anos do ginásio. Devia estar..., entrei com 9 anos e com mais 9, estava com 18 anos já. Logo a seguir nós mudamos, porque ele já estava empregado na Companhia de Saneamento do Estado, e foi transferido para outra cidade chamada Pavão. Nesse momento comecei outra atividade. Fui convocado para ser professor primário. Eu tinha só o ginásio, mas naquelas condições uma pessoa com o ginásio era um status, então eu fui ser professor primário.
Pergunta: Tudo no Vale?
Resposta:
Um pouco fora do Vale, mas beirando o Vale. Tanto que o segundo grau eu fui fazer depois dos 18 anos, já sendo professor.
Pergunta: E como eram as diferenças naturais e culturais dessa região?
Resposta:
É uma região seca, com extrema falta de chuvas. Eu me lembro que no nosso sítio, quando chovia, a gente plantava e fazíamos uma festa. Tem até um verso que diz assim: A chuva foi boa, este ano vai dar para comer, para vender e para outros ajudar. A gente vivia naquela esperança, mas depois que a plantação nascia, a chuva não vinha e tudo se perdia. Uma característica da região é a falta de chuvas. Mas a região, não sei se por isso, é uma região culturalmente muito rica, com muita expressão musical, dança, uma região com artesanato, uma cultura de produção de artesanato muito rica e conhecida no Brasil todo e no exterior. As três coisas mais marcantes para a região, primeiro é a seca, a outra é essa pujança cultural e também a prospecção mineral. É uma região que produz pedras semipreciosas, turmalinas, águas-marinhas e outras.
Pergunta: E esse seu atual interesse pelas artes, pela cultura, já se manifestava na sua infância?
Resposta:
Não. Na minha infância o que eu conseguia fazer era um carrinho para eu brincar, coisas desse tipo. Aliás, eu vim compreender mais a pujança cultural dessa região depois que vim para São Paulo. Foi aqui que consegui enxergar melhor a região.
Pergunta: E como era ser professor primário, como era a escola? Era comum ter professores homens?
Resposta:
Não, era comum. Tinha mais mulher, mas era comum ter professores homens. Eu fui para lá sem experiência nenhuma. Eu não sabia o que era entrar numa sala de aula. Mas naquele tempo o professor tinha uma boa vantagem. Nós podíamos bater, colocar de castigo e isso era tido pelos pais como uma coisa de certa importância. Eu me lembro que pratiquei certas atitudes dessas. Tinha um moleque que saía da linha e eu trazia ele para frente da sala e colocava de joelhos. Mas era interessante porque também eu hoje mantenho algumas relações de amizade com pessoas que foram meus alunos lá atrás. Essa relação dura na sala de aula não foi tão marcante a ponto de quebrar relações. Era uma atividade que eu gostava muito.
Pergunta: E as leituras? Quando você começou a se envolver com a leitura, quando surgiu esse interesse?
Resposta:
Eu sempre gostei de ler. Quando eu comecei a freqüentar a escola, eu comecei a ler. Lembro que no terceiro ano de escola eu era sempre requisitado para participar das pequenas encenações de teatro, marcando o Sete de Setembro, o Descobrimento do Brasil, a gente tinha as nossas apresentações eu gostava de estar envolvido nisso. Mas falando em leitura, eu lia poesias, lia Castro Alves, gostava de ler os Inconfidentes Mineiros e depois eu lia muito gibi, Tio Patinhas, Pato Donald, Irmãos Metralha e também lia aqueles livros de bolso de faroeste americano, do FBI, da CIA. Lia muito na passagem da infância para a adolescência.
Pergunta: E no tempo da escola?
Resposta:
Eu fiquei um período fora da escola. Quando eu terminei o ginásio, para eu iniciar o segundo grau tive um hiato de dois ou três anos. Nesse período eu continuava lendo.
Pergunta: E o acesso a esses livros, era pela escola?
Resposta:
Não. A gente tinha de se virar tomando emprestado de um, comprava e emprestava para outro, e assim ia. A gente encomendava, quando alguém viajava para fora, porque a cidade não tinha livrarias ou bancas. Quando alguém viajava, você pedia para trazer.
Pergunta: Para fora você quer dizer Belo Horizonte, São Paulo?
Resposta:
Belo Horizonte, Teófilo Otoni, Montes Claros, lugares mais próximos que você tinha acesso.
Pergunta: As crianças que se interessavam se viravam e as que não se interessavam não tinham acesso?
Resposta:
Não tinham acesso. Mas o interesse era mais ou menos generalizado, porque no meu tempo, na minha roda de amizade, todo mundo lia. Quem não lesse estava fora da coisa. Era como os bailes. Nós fazíamos bailes, eu com 12 anos, e levava as meninas para fazer baile na minha casa ou na casa dos vizinhos. A gente saía com a vitrola e um punhado de discos para fazer baile. Isso não era no fim de semana, mas no meio da semana você agitava. Quem não fazia não estava no meio da turma.
Pergunta: E em meados da década de 60, quando teve o golpe militar, como era essa época?
Resposta:
O golpe para mim, os soldados da cidade foram convocados e viajaram. Eu me lembro que quando eles voltaram, foram recebidos com festa, porque a gente não tinha informação de outra coisa que não fosse que o golpe era uma coisa necessária. Era uma festa. Nessa época, eu me lembro que peguei um pavor de situações que mostrassem uma relação com o comunismo. Se eu estivesse andando sozinho numa estrada e passasse um carro vermelho, eu corria e me escondia. Esse era o discurso que tinha pelas pessoas da cidade, que eles comiam criancinhas. Era essa a idéia com que vi o golpe. O golpe, nas escolas, era festejado como uma coisa importante.
Pergunta: Mesmo depois de 1968, 1970, quando já tinha televisão?
Resposta:
Em 1968, 70 eu já começava uma fase de ler coisas mais de fora, então já tinha uma idéia de que a coisa era mais complicada, não era aquela salvação da pátria. Em 1968 já estou com meus 16 anos, mas já tinha uma idéia de que não era tão bonito assim. Embora as escolas..., percebia que as escolas recebiam orientação expressa para valorizar o golpe, valorizar a revolução.
Pergunta: Era sentido algum desenvolvimento econômico?
Resposta:
Não. Tinha muito discurso, mas não via muita diferença. Eu me lembro, por exemplo, na minha cidade passa o Rio Jequitinhonha beirando a cidade e nós ficávamos fora da cidade, daquele micro-região da cidade de Araçoaí, então construíram uma ponte. A construção da ponte foi depois de 1964, e aquilo era tido como uma salvação, agora a coisa vai se desenvolver, porque vai ter transporte para a mercadoria, para a produção mineral, mas não aconteceu nada.
Pergunta: E como o senhor veio parar aqui?
Resposta:
Por volta de 1970 eu comecei a escrever. Tinha vontade de colocar no papel as coisas que eu pensava. Comecei a fazer meus poemas. Nessa cidade em que era professor, arrumei uma namorada, que também veio de fora para ser professora. E com o tempo a situação nessa cidade, nós perdemos o interesse, e decidimos vir para São Paulo. Primeiro veio a minha namorada e depois eu também me preparei para vir. A minha idéia era vir para São Paulo para estudar, porque eu tinha a mente voltada para ser jornalista. Eu achava que esse curso me daria condição de escrever. Eu vim para São Paulo com a idéia de me formar em jornalismo. Vim para cá em 1973, início de 1974, comecei a trabalhar num escritório, como auxiliar de escritório, dois anos depois prestei vestibular para jornalismo na Cásper Líbero, com toda aquela vontade de conseguir o que eu queria. Eu consegui o curso no período vespertino e a empresa não se interessou em me ajudar e eu fiquei aqui, duro feito o diabo. Eu me lembro que o que eu ganhava não era suficiente para cobrir todas as minhas despesas, e para a casa eu mandava as cartas dizendo que estava tudo bem.
Pergunta: Você veio para São Paulo ou para o ABC?
Resposta:
Eu vim para São Paulo, mas morei um tempo em Santo André. Nos primeiros três meses eu morei em Santo André, em Utinga e aí de Utinga fui morar na Rua Mauá, em São Paulo, e fiquei até 1975, 76.
Pergunta: Por que você quis vir para São Paulo e não para Belo Horizonte?
Resposta:
Eu queria uma cidade grande, mas a minha namorada estava aqui e não estava nas outras cidades. Esse era o motivo, porque depois ela veio a ser a minha esposa.
Pergunta: E como foi esse tempo?
Resposta:
Olha, essa história do jornalismo foi em setenta e pouco, mas aí a empresa me incentivou a fazer administração.
Pergunta: Qual era a empresa?
Resposta:
Indústria de Borracha Benflex, que ficava na Presidente Wilson, que fazia conexões para a indústria pesada. Essa empresa me incentivou a fazer administração. A minha namorada morava em Utinga e eu morava em São Paulo e vinha visitá-la aos finais de semana e vi uma placa de curso de administração de empresas, ciências econômicas, ciências sociais e me interessei. Alguém que trabalhava comigo falou do IMES, uma escola pública municipal de São Caetano, e eu me interessei. E tinha uma vantagem porque estava um pouco perto de onde eu trabalhava, não estava muito longe de onde eu morava e estava perto da minha namorada.
Pergunta: Em que ano foi?
Resposta:
Foi em 1978.
Pergunta: Então você já pegou o vestibular? Como era a prova, era com furinhos?
Resposta:
Eu acho que não foi com furinhos. Eu acho que não tinha. Estou me lembrando dos furinhos, mas era a marcação.
Pergunta: Era um tipo de prova teste?
Resposta:
Era prova teste e redação. Não me lembro o título. Eu tive uma boa colocação. Naquela época os primeiros 80 colocados tinham a preferência de escolher o período. Como eu pude escolher o período noturno, não me lembro qual colocação, mas fiquei entre os primeiros 80 colocados. A concorrência era bem maior.
Pergunta: Era o período noturno?
Resposta:
Era mais disputado. Em cursei de 1978 a 1981, enquanto estudante eu sempre participei das atividades estudantis, era sempre representante da sala e naquela época o IMES, os DCEs, os estudantes eram muito envolvidos em termos de atividades culturais. A gente tinha aula aos sábados de manhã, mas não saímos daqui, no sábado, porque tínhamos atividades culturais ou esportivas.
Pergunta: Você foi membro do DCE?
Resposta:
Não cheguei a ser membro do DCE, mas sempre fui representante de sala e apoiador das chapas que estavam na direção.
Pergunta: Era agitado?
Resposta:
Era muito agitado. Naquela época você tinha o curso de ciências sociais, que embora seja um curso menor, era muito ativo. E o momento político também era outro. Nós tivemos aqui grandes passeatas pelo centro de São Caetano, grandes manifestações no pátio. Aliás, é uma diferença de hoje. Não sinto o estudante com essa garra de lutar por coisas que não sejam do seu interesse pessoal, mas que sejam de interesse coletivo. Isso era muito presente na época.
Pergunta: Era o período da ditadura, da anistia. Isso se refletia aqui?
Resposta:
Sim. Naquela época estiveram aqui Fernando Henrique Cardoso, Lula, e várias outras personalidades desse ambiente, dessa discussão política, que estiveram presentes no nosso auditório discutindo com a gente esses problemas.
Pergunta: E o que aconteceu aqui no IMES com a presença do Jards Macalé?
Resposta:
Foi um burburinho naquele pátio, porque ele chegou, entrou e depois teve de sair. Não lembro o motivo, mas o comentário era que ele chegou, mas não pôde fazer a palestra. Era uma lei rígida. Outra questão interessante nessa época é que tinham os festivais de música. Fui o ganhador do Primeiro Festival de Música do IMES. Isso está registrado.
Pergunta: Ia perguntar lá atrás e acabou passando, como foi a sua iniciação musical? Foi autodidata?
Resposta:
Sim. Uma das minhas lamentações é não tocar bem o instrumento. Nunca estive em escola, mas sempre peguei um violão.
Pergunta: Você compõe?
Resposta:
Consigo compor.
Pergunta: Nesse festival você entrou como compositor, como letrista?
Resposta:
Tinha um colega que era o músico e eu era o poeta. Eu fiz a letra, ele fez a melodia e montamos um grupo de estudantes para apresentar. Depois participamos de festivais em Santo André, e daqui saíam grupos para participar em festivais em Minas Gerais.
Pergunta: O teatro como era na época?
Resposta:
Tinha o JETA, que era famoso. A Lívia começou lá. O JETA estava muito centrado nas pessoas e, quando esse pessoal saiu, o JETA acabou, mas uns dez anos depois.
Pergunta: Nesse período o IMES ficou sem grupo de teatro?
Resposta:
Sim. Foram dez anos, porque o Rique surgiu por volta de 1995 e o JETA deve ter ficado até 1994.
Pergunta: E do corpo de administração, você se lembra como era a linha de disciplinas?
Resposta:
O curso era voltado para administração de empresas. Eu acho que mais do que isso, era focado para a administração das grandes empresas. Os professores eram, na sua maioria, pessoas que eram ligadas às empresas. Ou eram consultores, diretores, gerentes de grandes empresas. Era um curso com essa característica, um curso voltado para grandes empresas. Mas era um curso que tinha e tem até hoje um conceito muito bom.
Pergunta: O perfil dos alunos mudou muito?
Resposta:
Eu entrei na universidade com 26 anos e era a média da sala de aula. A maioria homens, poucas mulheres. Hoje elas são maioria até em cursos de administração.
Pergunta: Entre os professores também.
Resposta:
Exato. Lembro de uma professora, Professora Neide. O resto eram homens. Aumentou a presença da mulher, pelo menos no curso de administração.
Pergunta: Com quais professores você teve aula?
Resposta:
Tive aula com o Professor Moacir, com o Professor Mauro Neves, com Oscar Garbelotto, com Mauro Guerra e outros.
Pergunta: Você se lembra quem era o diretor?
Resposta:
Quando entrei o diretor era o Oscar ou o Cláudio. Era o Cláudio.
Pergunta: Você estava aqui quando o Professor Sílvio foi diretor?
Resposta:
Eu já estava na condição de professor.
Pergunta: Como aluno, como dava para perceber o envolvimento com a Prefeitura, por ser uma escola municipal?
Resposta:
A gente não tinha uma percepção disso. Quando entrei vim com a idéia que se tratasse de uma escola pública.
Pergunta: Quando aluno você veio pensando em uma atitude municipal, mas aqui dentro você percebeu?
Resposta:
Que não, que era independente. A relação era apenas institucional, e a faculdade caminhava com suas próprias pernas. A única informação que nós tínhamos naquele tempo era que quem era morador de São Caetano tinha vantagens, porque a Prefeitura cobria parte da mensalidade.
Pergunta: Você chegou aqui depois que a estátua de São Pedro foi instalada aqui na frente. Ouvia-se alguma história sobre a estátua?
Resposta:
Não. Não tinha, não era dito, não era externado o significado daquela estátua. Fui compreender depois, quando da minha formatura, no nosso convite vinha imagem da estátua, que eu fui me inteirar e conheci a história dela.
Pergunta: Já tinha o prédio atual?
Resposta:
Quando eu era estudante aqui só tinha o Prédio B, o central. A sala dos professores era em um desses corredores. A biblioteca também era em um desses corredores. Onde é o pátio central tinha o banco e tinha uma livraria e não tinha mais nada. Onde hoje é a reitoria era um terreno usado como estacionamento para os estudantes. Onde é o Prédio A era o estacionamento dos professores e onde é o Prédio B era rua.
Pergunta: E depois que você se formou, como foi a história?
Resposta:
Eu me formei em 1981 e eu, juntamente com alguns colegas, e naquela época incentivado pelo Professor Sílvio, que era o diretor, pensamos em reativar a associação de ex-alunos, que tinha sido fundada em 1976, mas que não estava em funcionamento. Fomos até o diretório acadêmico, encontramos a documentação da associação de ex-alunos, o diretório nos cedeu um jogo de sofá e algumas prateleiras, o Professor Sílvio nos arrumou uma sala, e já tinha o Prédio C, onde funcionava o antigo Ceatoga, e nós criamos lá a associação dos ex-alunos, refizemos a associação. Eu tinha muita vontade de fazer isso funcionar. Daí para frente, eu comecei a estudar aqui, fiz pós-graduação em recursos humanos e em administração geral, isso de 1982 a 1984. Então, continuei a ter uma relação com a escola. Fui monitor da disciplina de administração de pessoal. Na época o Professor Paulo Antônio era o professor. Eu estava de férias na casa dos meus pais em Minas e o telefone toca. Era o Professor Sílvio. Não é possível, como me acharam aqui? Eu atendi e ele falou que eu fui bem avaliado na pós-graduação, que eu era o monitor de administração de pessoal e o Professor Paulo Antônio ia precisar ficar fora um ano, nos Estados Unidos, porque ele trabalhava na Ciba e tinha sido transferido para os Estados Unidos e tinha uma vaga e perguntou se eu queria assumir a vaga. Eu comecei a ser professor aqui em 1985.
Pergunta: Era registrado?
Resposta:
Era contrato. O professor era normalmente indicado por alguém que o conhecesse e era formado o quadro de professores.
Pergunta: E o Prósimes, você participou?
Resposta:
Da fundação não porque ele é anterior, mas fui presidente em uma das gestões, em 1988.
Pergunta: E você assumiu a disciplina?
Resposta:
Eu assumi a disciplina no lugar do Professor Paulo Antônio, que viajara para os Estados Unidos.
Pergunta: E qual era?
Resposta:
Administração de pessoal. No ano seguinte o Professor Paulo Antônio volta, retorna, e deixa comigo a turma e eu continuei.
Pergunta: Você trabalhava em outro lugar?
Resposta:
Nessa época trabalhava na Santa Fé, empresa de louças, na área de recursos humanos e continuei cumprindo as duas atividades, de professor e como gerente dessa empresa, que ficava na Vila Ema, em São Paulo. Agora me lembrei de um fato interessante que aconteceu comigo como estudante, justamente com relação à disciplina que eu vim a ser professor, administração de pessoal. Nós tínhamos um professor que era diretor de recursos humanos da GM e ele era um bom professor, tinha as informações muito atualizadas, mas ele viajava muito. Isso, quando o professor viaja muito, cria um certo desconforto com a sala, porque você perde um determinado ritmo e quando ele voltava, até recuperar esse ritmo, tudo era em base de muito estresse. Eu era representante da sala e me lembro que uma certa vez esse professor tinha viajado e chegou o momento de fazer uma prova dele e ele retornou com a prova. A prova foi dada para duas turmas ao mesmo tempo e na minha sala, para tomar conta da prova ficou o Professor Puga, que hoje ainda é professor e aquele professor foi para a outra sala. Quando a prova foi distribuída, começou um burburinho na sala. Um olhava para o outro, essa prova está esquisita. Aí começou a pressão em cima do representante da sala: E aí Joaquim? Fazemos a prova?
Pergunta: Como vocês cochichavam?
Resposta:
Essa coisa foi no estalo. Aí eu chamei o professor e expliquei a situação, que meus colegas, e eu concordo com eles, não fariam a prova porque esta matéria não está adequada ao que foi dado em sala de aula. Perguntei se ele poderia chamar o professor para dialogar. O Puga foi até lá conversar com o professor e ele se recusou a vir à sala. Eu tive de assumir a liderança da turma. Eu fui para frente, fiz o discurso necessário para ver se havia concordância da sala que nós não iríamos fazer a prova e entregamos a prova em branco. Não tinha outra saída. Fomos todos para a diretoria e para o Professor Sílvio nós justificamos por que não fizemos a prova. Sei que, para encurtar a conversa, fizemos outra prova, em outra situação, houve um contato com o professor e esse desentendimento foi colocado às claras. E depois eu vim a ser professor dessa disciplina.
Pergunta: E teve de enfrentar os alunos. E depois de ser professor, como foi?
Resposta:
Em 1985 eu comecei como professor e em 1988 iniciei meu mestrado, porque eu tinha só a pós-graduação latu senso. Eu acabei adquirindo uma bolsa do CNPq, que me motivou a abandonar a empresa e me dedicar mais à atividade acadêmica. E coincidiu que iniciando o mestrado e ganhando a bolsa, também a escola me convidou a assumir a coordenação de uma atividade interna, que chamava CATD, Coordenadoria de Apoio Técnico Didático, que tinha por objetivo criar algumas facilidades para os outros professores, desde a logística da sala de aula, infra-estrutura, serviços de manutenção e aí, em 1989, abandonei a empresa e passei a me dedicar a essa coordenação de atividades e passei a me dedicar exclusivamente ao IMES, como professor à noite e durante o dia nessa coordenação. E aí fui evoluindo. Depois veio a comunicação e passei a assumir a coordenação de comunicação também, e em 2001 fomos mudados à condição de Centro Universitário e assumi a Pró-Reitoria de Extensão. A minha carreira fez uma trajetória muito positiva, desde enquanto estudante até a função de Pró-Reitor.
Pergunta: E como você se envolveu com a cultura?
Resposta:
Todas essas atividades me davam a condição de articular essa coisa que eu gosto, de estar envolvido com a arte e a cultura. Quando estava no CATD, logo comecei a trazer para mim essa possibilidade de estar articulando com os estudantes a realização de eventos musicais, culturais e logo acertamos com a direção a recriação do grupo de teatro, o grupo vocal. Aí a própria comunicação, a cultura dela fazendo parte, foi criando espaços para fazer os eventos. De um lado a posição em que eu estava me ajudou a construir coisas que eu gostava e também sempre tive muito apoio da direção, do Marco Antônio, do Laércio, sempre apoiavam essas atividades.
Pergunta: E como era a extensão, como o IMES se estende através desses projetos?
Resposta:
Interessante. Eu acho que o IMES teve sempre uma trajetória de atividades institucionais, embora meio desarrumada. Isso a gente vê nas próprias atividades que são feitas pelo IBES, as pesquisas sócio-econômicas, isso já tem mais de 20 anos, as pesquisas de preços ao consumidor, que são serviços que são prestados à comunidade e o IMES assumiu o custo disso. Tem uma tradição de serviços, que são remunerados, mas são voltados a empresas, à comunidade em geral, então o IMES tem uma trajetória de extensão. Agora, com a transformação em centro universitário e em universidade, essa coisa começou a ser articulada melhor e agora com uma vantagem maior. Embora sempre houvesse no discurso acadêmico que a universidade se faz com ensino, pesquisa e extensão, a extensão sempre foi tida como o pobre desse triângulo, mas agora ela passa a ser valorizada, mesmo pelas políticas e diretrizes governamentais, a extensão ganha uma força, um pé de igualdade. E nós estamos nesse momento buscando articular uma série de serviços e projetos, que nós temos, isolados, e concentrar em alguns grandes programas, para dar uma visibilidade mais firme para a extensão. Se nós pegarmos, por exemplo, agora com a inserção na área de saúde, são cursos que criam possibilidades muito grandes de você estar estendendo serviços à comunidade. Esse trabalho que está sendo feito aqui, esta pesquisa, este trabalho de vocês, consegue criar a verdadeira dimensão. Você tem pesquisa, tem o símbolo e tem a extensão com o resultado.
Pergunta: Gostaria de falar um pouco da sua carreira como escritor. Você escreveu muito nesses anos? Gostaria que você falasse da sua trajetória como escritor. De todas as suas habilidades artísticas, não seria essa de ser escritor, que você tem focalizado mais?
Resposta:
Atualmente sim. Eu tive um transtorno recentemente, que foi o rompimento de uma musculatura da perna esquerda e isso me deixou quatro meses de molho, e durante esses quatro meses eu repensei muito a minha vida, eu li muito, li sete grandes romances de peso, escrevi muito. Eu me dediquei a concentrar um pouco de esforço nessa área. Eu tinha até então escrito dois livros de poesias, o primeiro Fazendo Poeira, que trata da minha relação com a natureza, com a minha infância, com o meu rio, da minha trajetória mais rural, e depois fiz o segundo, em parceria com a Débora, que fala mais da relação homem e mulher, como digo lá, não de um rio de água, mas do rio que corre dentro da gente. Estou lançando agora em agosto, saindo um pouco da poesia, um livro sobre políticas públicas, que é um trabalho oriundo das minhas pesquisas de mestrado, transformado em livro e estou agora partindo para o ramo da prosa. Estou escrevendo as memórias de um determinado personagem e pretendo, até o final do ano, ter terminado.
Pergunta: Para terminar, a gente pede que a pessoa deixe uma mensagem, que ela fale da sua vida ou deixe uma mensagem para ser gravada.
Resposta:
Deixar mensagem é sempre complicado. Eu tive uma vida muito difícil às vezes. Sempre trabalhei, desde pequeno, nunca tive as coisas fáceis, mas tive uma vida gostosa e gosto mais ainda da vida que vou ter. Então, se eu puder deixar uma mensagem é que nessa vida o que a gente quer, se fizermos um esforço, a gente sempre consegue. Evidentemente que temos de estar conscientes de que às vezes a gente não consegue na totalidade, às vezes só pela metade. Temos de estar conscientes de que às vezes temos coisas para vencer e a gente não consegue vencer todas, mas você tem de ter o norte e buscar aquele norte. Na busca desse norte, você tem de estar ciente que isso comporta alguns desvios. Eu gosto muito de planejamento, mas não gosto de levar a minha vida muito planejada. Eu gosto de ter surpresas. Se eu pudesse contar uma história... Eu estava na cadeira da minha dentista para fazer um canal e estava morrendo de medo e fiquei o tempo inteiro esperando pela dor. Muito tempo atrás eu fiz um canal e aquilo foi uma chateação. Eu fiquei o tempo inteiro esperando essa dor, e a dor não veio. E terminei o canal e não veio a dor. Às vezes você fica esperando coisas que não têm sentido ficar esperando, porque elas nem vão vir, que é o caso dessa minha dor, que não veio. E eu fiquei surpreso. Eu também acho que a gente não pode ficar esperando determinadas coisas. Determinadas coisas, quando se percebe que são impossíveis, vá buscar o possível, mas temos de ir sempre em frente.
Pergunta: Você tem algum verso decorado?
Resposta:
Tenho um verso que é como batatinha quando nasce, esparrama pelo chão, mamãezinha quando dorme, põe a mão no coração. É assim o verso: Eu ando por este mundo de Deus, admirando as coisas, cruzando pessoas e colecionando esperanças.